segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A poesia de Gaspara Stampa III

(continuação)


II


Era vicino il dì che 'l Creatore,
che ne l'atezza sua potea restarsi,
in forma umana venne a dimostrarsi,
dal ventre virginal uscendo fore,
quando degnò l'illustre mio signore,
per cui ho tanti poi lamenti sparsi,
potendo in luogo più alto annidarsi,
farsi nido e ricetto del mio core.
Ond'io sì rara e sì alta ventura
accolsi lieta; e duolmi sol che tardi
mi fe' degna di lei l'eterna cura.
Da indi in qua pensieri e speme e sguardi
volsi a lui tutti, fuor d'ogni misura
chiaro e gentil, quanto 'l sol giri e guardi.



II


Era vizinho o dia que o Criador,
que nas alturas suas podia ficar,
em forma humana se veio a demonstrar,
do ventre virginal nascendo,
quando dignou o ilustre meu senhor,
por quem depois tantos lamentos espalhei,
podendo-se em mais alto sítio aninhar,
fazer-se ninho e refúgio do meu coração.
Onde tão rara e alta ventura
acolhi alegre; e só me doi que tarde
me fez digna de sí o eterno cuidar.
Desde então pensamentos e esperança e olhares
volvi a ele todos, fora de qualquer medida
claro e gentil, de quantos o sol cobre e vê.



III


Se di rozzo pastor di gregge e folle
il giogo ascreo fe diventar poeta
lui, che poi salse a sì lodata meta,
che quasi a tutti gli altri fama tolle,
che meraviglia fia s'alza ed estolle
me bassa e vile a scriver tanta pièta.
chel che può più che studio e pianeta,
il mio verde, pregiato ed alto colle?
La cui sacra, onorata e fatal ombra
dal mio cor, quasi sùbita tempesta,
ogni ignoranza, ogni bassezza sgombra.
Questa da basso luogo m'erge, e questa
mi rinova lo stil, la vena adombra,
tanta virtù nell'alma ognor mi desta!



III


Se de rude pastor de rebanhos e gentes
o jugo áscreo fez ser poeta
a ele, que depois subiu a tão louvada meta,
que quase a todos os outros fama tolhe,
que a maravilha sua se alça às estrelas
a mim baixa e vil no escrever tanta piedade,
aquele que mais pode que estrela e planeta,
o meu verde, prezado e alto monte?
Cuja sacra, honrada e fatal sombra
do meu coração, como súbita tempesta,
toda a ignorância, toda a baixeza livra.
Esta de baixo local me ergue, e esta
me renova o estilo, a veia realça,
tanta virtude na alma para sempre me desperta!


Áscreo - referência a Ascra, cidade da Beócia situada nas faldas do monte Hélicon e pátria de Hesíodo
Monte - no original "colle" apresenta um duplo sentido, o de "colina", "monte" que continua a referência ao Hélicon; e a referência ao objecto dos amores de Gaspara Stampa, o Conde Collantino di Collalto



IV


Quando fu prima il mio signor concetto,
tutti i pianeti in ciel, tutte le stelle
gli diêr le grazie, e queste doti e quelle,
perch'ei fossi tra noi solo perfetto,
Saturno diègli altezza d'intelletto;
Giove il cercar le cose deggne e belle;
Marte appo lui fece ogn'altr'uomo imbelle;
Febo gli empì di stile e senno il petto;
Vener gli diè bellezza e leggiadria;
eloquenzia Mercurio; ma la luna
lo fe' gelato più ch'io non vorria.
Di queste tante e rare grazie ognuna
m'inflammò de la chiara fiamma mia,
e per agghiacciar lui restò quell'una.


IV

Quando primeiro foi o meu senhor concebido,
todos os planetas no céu, todas as estrelas
graças lhe concederam, e estes dotes e aqueles,
para que fosse ele entre nós o único perfeito,
Saturno lhe deu a altura d'intelecto;
Jove o buscar as coisas dignas e belas;
Marte fez os outros homens vizinhos imbeles;
Febo lhe encheu de estilo e tino o peito;
Vénus lhe deu beleza e alegria;
eloquência Mercúrio; mas a Lua
o fez gelado mais do que eu não o queria.
Destas tantas e raras graças cada uma
me inflamou da clara chama minha,
e para gelar restou-lhe aquela.



V


Io assomiglio il mio signor al cielo
meco sovente. Il suo viso è 'l sole;
gli occhi, le stelle; e 'l suon de 'l parole
è l'armonia, che fa 'l signor de Delo.
Le tempeste, le piogge, i tuoni e 'l gelo
son i suoi sdegni, quando irar si suole;
le bonacce e 'l sereno è quando vuole
squarciar de l'ire sue benigno il velo.
La primavera e 'l germogliar de' fiori
è quando ei fa fiorir la mia speranza,
promettendo tenermi in questo stato.
L'orrido verno è poi, quando cangiato
minaccia di mutar pensieri e stanza,
spogliata me de' miei più ricchi onori.



V


Comparo eu o meu senhor ao céu
frequentemente. A sua face é o sol;
os olhos, as estrelas; e o som das palavras
é a harmonia que cria o Senhor de Delos.
As tempestades, chuvas, trovões e gelos
são seus desdéns, quando irar se deve;
as bonanças e o sereno quando quer
rasgar de iras suas o benigno velo.
A primavera e o brotar das flores
é quando faz florir a minha esperança,
prometendo manter-me neste estado.
O hórrido inverno é logo, quando mudado
ameaça de mudar de pensar e de quarto,
despojada eu das minhas mais ricas honras.


Senhor de Delos - O deus Apolo que aí era venerado e tinha um importante santuário


VII


Chi vuol conoscer, donne, il mio signore,
miri un signor di vago e dolce aspetto,
giovane d'anni e vecchio d'intelletto,
imagin de la gloria e del valore:
di pelo biondo, e di vivo colore,
di persona alta e spazioso petto,
e finalmente in ogni opra perfetto,
fuor ch'un poco (oimè lassa!) empio in amore.
E chi vuol poi conoscer me, rimìri
una donna in effetti ed in sembiante
imagin de la morte e de' martìri,
un albergo di fè salda e costante,
una, che, perché pianga, arda e sospiri,
non fa pietoso il suo crudel amante.


VII

Quem conhecer queira, ó mulheres, o meu senhor,
mire um senhor de vago e doce aspecto,
jovem de anos e velho de intelecto,
imagem da glória e do valor:
de pelo louro e de viva cor,
alto de pessoa e de espaçoso peito,
efinalmente em todas as obras perfeito,
menos que um pouco (ai de mim!) ímpio no amor.
E quem quiser depois me conhecer, veja
uma mulher nas vestes e no semblante
imagem da morte e dos martírios,
um albergue de fe férrea e constante,
uma que, porque chore, arda e suspire,
não faz piedoso o seu cruel amante.



X


Alto colle, gradito e graciozo,
novo Parnaso mio, novo Elicona,
ove poggiando attendo la corona,
de le fatiche mie dolce riposo;
quanto sei qui tra noi chiaro e famoso,
e quanto sei a Rodano e a Garona,
a dir in rime alto dísio mi sprona,
ma l'opra è tal, che cominciar non oso.
Anzi quanto averrà che mai ne canti,
fia pura ombra del ver, perciò che 'l vero
va di lungo il mio stil e l'altrui innanti.
Le tue frondi e 'l tuo giogo verdi e 'ntero
conservi 'l cielo, albergo degli amanti
colle gentil, dignissimo d'impero.



X


Alta colina, aprazível e graciosa,
novo Parnaso meu, novo Hélicon,
onde repousando espero a coroa,
das fadigas minhas doce repouso;
quanto és aqui entre nós claro e famoso,
e quanto o és no Ródano e na Garona,
dizê-lo em rimas alto desejo me espicaça,
mas a obra é tal, que começar não ouso.
Antes, quanto será que nunca o cante,
seja pura sombra do verso, de molde que o vero
vá mais longe que o meu estilo o o outro antes.
Os teus ornatos e o teu jugo verde e inteiro
conservo o céu, albergo dos amantes
colina gentil, digníssima de império.


colina - vide nota ao soneto III
Ródano e Garona - referência à presença de Collantino di Colalto, durante o ano de 1549, na campanha pela reconquista de Boulogne-sur-mer e no casamento de Orazio Farnese com Diana, filha ilegítima de Henrique II de França


XI


Arbor felice, aventuroso e chiaro,
onde i duo rami sono al mondo nati,
che vanno in alto, e son già tanto alzati,
quanto raro altri rami unqua s'alzaâro;
rami che vanno ai grandi Scipi a paro,
o s'altri fûr di lor mai più lodati
(ben lo sanno i miei occhi fortunati,
che per bearsi in uno d'essi mirâro),
a te, tronco, a voi, rami, sempre il cielo
piova rugiada, sì che non v'offenda
per avversa stagion caldo, né gelo.
La chioma vostra e l'ombra s'apra e stenda
verde per tutto; e d'onorato zelo
odor, fior, frutti a tutt'Italia renda.


XI

Árvore feliz, aventurosa e clara,
onde os dois ramos são para o mundo nados,
que alto vão, e são tanto já alçados,
quão raro outros ramos já se alçaram;
ramos que vão dos grandes Scipiões a par,
ou se outros foram do que eles mais louvados
(bem o sabem os meus olhos afortunados,
que por delícia num desses se miraram),
a ti, tronco, a vós, ramos, sempre o céu
chova orvalho, de modo que vos não ofenda
por adversa estação quente, nem gelo.
Que a copa vossa e a sombra se abra e estenda
verde no todo, e de honrado zelo
odor, flor, frutos a tod'Itália traga.


dois ramos - referência aos dois ramos da árvore genealógica de Collantino di Collalto: Collatino e Vinciguerra
grandes Scipiões - Referência a Públio Cornélio Scipião e ao seu filho adoptivo Públio Cornélio emiliano, famosos por feitos de letras e armas

XII


Deh, perché così tardo gli occhi apersi
nel divin, non umano amato volto,
ond'io scorgo, mirando, impresso e scolto
un mar d'alti miracoli e diversi?
Non avrei, lassa, gli occhi indarno aspersi
d'inutil pianto in questo viver stolto,
né l'ama avria, com'ha, poco né molto
di fortuna o d'amore onde dolersi.
E sarei forse de sì chiaro grido,
che, mercé de lo stil, ch'indi m'è dato,
risoneria fors'Adria oggi, e 'l suo lido.
Ond'io sol piango il mio tempo passato,
mirando altrove; e forse anche mi fido
di far in parte il foco mio lodato.


XII


Deus, porque tão tarde os olhos abri
para o divino, não humano amado vulto,
onde percebo, mirando, impresso e esculpido
um mar d'altos milagres e diversos?
Não teria, coitada, os olhos debalde húmidos
d'inútil pranto neste viver estulto,
nem a alma teria, como tem, pouco nem muito
de fortuna ou de amor de que doer-se.
E serei talvez por tão claro grito,
que, mercê do estilo, que ora me é dado,
a risota talvez da Adria de hoje, e do seu lido.
Ond'eu só choro o meu tempo passado,
olhando alhures; e talvez também me fie
em afastar o fogo meu louvado.


Adria e do seu lido - Veneza e suas possessões marítimas no Adriático

(continua)

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