quarta-feira, 20 de julho de 2011

Alguns poemas de Guido Gozzano


Guido Gozzano (Turim, 19 de Dezembro de 1883 - Turim, 9 de Agosto de 1916) foi um poeta italiano crepuscular.
Gozzano, muito embora seja autor de uma importante produção poética, permanece um desconhecido para o grande público português. Não tendo nunca sido objecto de edições e traduções para a língua portuguesa, apenas o conhecem por cá os que se interessam pelas letras italianas. O presente conjunto de poesias traduzidas, com todas as limitações que lhes poderem vir a ser reconhecidas, fazem parte de um projecto pessoal de tradução integral da poesia de Guido Gozzano em que me encontro empenhado, que se encontra ainda em fase inicial, e que gostaria de um dia vir a publicar por pensar ser da mais elementar justiça que a sua obra seja conhecida e reconhecida.
Agradeço igualmente todas as críticas e sugestões que queiram ter a bondade de deixar uma vez que este é um caso de "work in progress". Se quiserem dar paulada julgo ter as costas bastante largas para as receber, porém, não sendo o masoquismo parte integrante da minha índole, escuso de vos agradecer.
Por uma questão de respeito pelo texto original todos os textos traduzidos serão precedidos do texto na língua original.



La medicina

Alla signora C. R. dalla bella voce

Non so che triste affanno mi consumi:
sono malato e nei miei dì peggiori...
Tra i balaustri il mar scintilla fuori
la zona dei palmeti e degli agrumi.

Ah! Se voi foste qui, tra questi fiori,
amica! O bella voce tra i profumi!
Se recaste con voi tutti i volumi
di tutti i nostri dolci ingannatori!

Mi direste il Congedo, oppur la Morte
del cervo
, oppure la Sementa... E queste
bellezze, più che l'aria e più che il sole,

mi farebbero ancora sano e forte!
E guarirei: Voi mi risanereste
con la grande virtù delle parole!


O remédio

À senhora C. R. da bela voz

Não sei que triste tormento me consuma:
estou doente e nos meus dias piores...
Entre os balaústres o mar cintila fora
a zona das palmas e dos citrinos.

Ah! Fosses vós aqui, entre estas flores,
amiga! Ò bela voz entre os perfumes!
Se trouxeras com vós todos os volumes
de todos os nossos doces enganadores!

Me dirieis o "Congedo", ou a "Morte
del cervo"
, ou a "Sementa"... E estas
belezas, mais que o ar e mais que o sol,

me fariam ainda são e forte!
E curarei: Vós me curaríeis
com a grande virtude das palavras!


Il buon compagno

Non fu l'Amore, no. Furono i sensi
curiosi di noi, nati pel culto
del sogno... E l'atto rapido, inconsulto
ci parve fonte di misteri immensi.

Ma poi che nel tuo bacio ultimo spensi
l'ultimo bacio e l'ultimo sussulto,
non udii che quell'arido singulto
di te, perduta nei capelli densi.

E fu vano accostare i nostri cuori
già riarsi dal sogno e dal pensiero;
Amor non lega troppo eguali tempre.

Scenda l'oblio; immuni da languori
si prosegua più forti pel sentiero,
buoni compagni ed alleati: sempre.

O bom companheiro

Não foi o Amor, não. Foram os sentidos
curiosos nossos, nascidos do culto
do sonho... E o acto rápido, inconsulto
apareceu-nos fonte de mistérios imensos.

Mas já que no teu beijo apaguei
o último beijo e o último sobressalto,
não ouvi que aquele árido soluço
de ti, perdida nos cabelos densos.

E foi vão acercar os nossos corações
ardidos já de sonho e do pensar;
Que amor não liga demasiado iguais temperas.

Caia o olvido; imune aos langores
se prossiga mais fortes pelo caminho,
bons companheiros e aleados: sempre.


Salvezza

Vivere cinque ore?
Vivere cinque età?...
Benedetto il sopore
che m'addormenterà...

Ho goduto il risveglio
dell'anima leggiera:
meglio dormire, meglio
prima della mia sera.

Poi che non ha ritorno
il riso mattutino.
La bellezza del giorno
è tutta nel mattino.


Salvação

Viver cinco horas?
Viver cinco idades?...
Bendito o torpor
que me adormecerá...

Gozei o acordar
da alma suave:
melhor é dormir, melhor
antes do meu ocaso.

Pois que é sem retorno
o riso matutino.
A beleza do dia
está toda na manhã.


Congedo

Anche te, cara, che non salutai
di qui saluto, ultima. Coraggio!
Viaggio per fuggire altro viaggio.
In alto, in alto i cuori. E tu ben sai.

In alto, in alto i cuori. I marinai
cantano leni, ride l'equipaggio;
l'aroma dell'Atlantico selvaggio
mi guarirà, mi guarirà, vedrai.

Di qui, fra cielo e mare, o Benedetta,
io ti chiedo perdono nel tuo nome
se non cercai parole alla tua pena,

se il collo liberai da quella stretta
spezzando il cerchio della braccia, come
si spezza a viva forza una catena.


Despedida

A ti também, cara, que não saudei
daqui saudo, por última. Coragem!
Viajo para fugir a outra viagem.
Ao alto, corações ao alto. E tu bem sabes.

Ao alto, corações ao alto. Os marinheiros
cantam com alento, ri a equipagem;
o aroma do Atlântico selvagem
curar-me-há, curar-me-há, verás.

Daqui, entre céu e mar, ó Bendita,
eu te peço perdão em teu nome
se palavras não busquei a tuas penas,

se o pescoço libertei daquele aperto
quebrando o círculo dos braços, como
se quebra à viva força uma cadeia.


La più bella

I.

Ma bella più di tutte l'Isola Non-Trovata:
quella che il Re di Spagna s'ebbe da suo cugino
il Re di Portogallo con firma sugellata
e bulla del Pontefice in gotico latino.

L'Infante fece vela pel regno favoloso,
vide le fortunate: Iunonia, Gorgo, Hera
e il Mare di Sargasso e il Mare Tenebroso
quell'isola cercando... Ma l'isola non c'era.

Invano le galee panciute a vele tonde,
le caravelle invano armarono la prora:
con pace del Pontefice l'isola si nasconde,
e Portogallo e Spagna la cercano tuttora.

II.

L'isola esiste. Appare talora di lontano
tra Teneriffe e Palma, soffusa di mistero:
"...l'Isola Non-Trovata!" Il buon Canarïano
dal Picco alto di Teyde l'addita al forestiero.

La segnano le carte antiche dei corsari.
...Hifola da - trovarfi? ...Hifola pellegrina?...
È l'isola fatata che scivola sui mari;
talora i naviganti la vedono vicina...

Radono con le prore quella beata riva:
tra fiori mai veduti svettano palme somme,
odora la divina foresta spessa e viva,
lacrima il cardamomo, trasudano le gomme...

S'annuncia col profumo, come una cortigiana,
l'Isola Non-Trovata... Ma, se il pilota avanza,
rapida si dilegua come parvenza vana,
si tinge dell'azzurro color di lontananza...


A mais bela

I.

Mais bela que todas a Ilha Não-Achada:
aquela que o Rei d'Espanha teve de seu primo
o Rei de Portugal com assinatura selada
e bula do Pontífice em gótico latim.

O Infante vogou pelo reino fabuloso,
viu as afortunadas: Junónia, Gorgo, Hera
e o Mar dos Sargaços e o Mar Tenebroso
aquela ilha buscando... Mas a ilha não existia.

Em vão as galés bojudas de velas tondas,
as caravelas em vão armaram as proas:
com paz do Pontífice a ilha se oculta,
e Portugal e Espanha a buscam ainda agora.

II.

A ilha existe. Aparece por vezes na distância
entre Tenerife e Palma, encoberta de mistério:
"...A Ilha Não-Achada!" O bom Canário
do Pico alto de Teyde a aponta ao forasteiro.

Marcam-na as cartas antigas dos corsários.
...Ilha por-achar? ... Ilha peregrina?...
Éa ilha fadada que desliza pelos mares;
por vezes os navegantes a vêem vizinha...

Razam com as proas aquela beata ria:
entre flores nunca vistas assomam palmas sumas,
odora a divina floresta espessa e viva,
chora o cardamomo, transudam as borrachas...

Anuncia-se com o perfume, como uma cortesã,
a Ilha Não-Achada... Mas se o piloto avança,
rápida se afasta como aparência vã,
se tinge da azul cor da distância...


Ad un'ignota

Tutto ignoro di te: nome, cognome,
l'occhio, il sorriso, la parola, il gesto;
e sapere non voglio, e non ho chiesto
il colore nemmen delle tue chiome.

Ma so che vivi nel silenzio; come
care ti sono le mie rime: questo
ti fa sorella nel mio sogno mesto,
o amica senza volto e senza nome.

Fuori del sogno fatto di rimpianto
forse non mai, non mai c'incontreremo,
forse non ti vedrò, non mi vedrai.

Ma più di quella che ci siede accanto
cara è l'amica che non mai vedremo;
supremo è il bene che non giunge mai!


A uma desconhecida

Tudo de ti ignoro: nome, apelido,
o olho, o sorriso, a fala, o gesto;
e saber não quero e não demando
a cor sequer da tua cabeleira.

Mas sei que vives no silêncio; como
caras te são as minhas rimas: isto
te faz irmã no meu sonho triste,
ó amiga sem vulto e sem nome.

Fora do sonho feito de nostalgia
talvez não mais, não mais nos acharemos,
talvez não te verei, não me verás.

Mas mais que aquela que a nós se senta junto
cara é a amiga que nunca mais veremos;
supremo é o bem que não se alcança mais!

Sem comentários:

Enviar um comentário