terça-feira, 26 de julho de 2011

Carta a um Linfoma - Folhetim em forma epistolar (1º episódio)

Caro Hodgkin


Começo a presente carta por te agradecer o teres passado a fazer parte da minha vida. Certamente não recebes frequentemente tal agradecimento por parte daqueles a quem entraste de rompante pela porta e pela vida dentro; mas isso pouco importa agora. O que importa é que fazes agora parte de mim e me deste a possibilidade de te contar entre os meus mais íntimos, senão o mais íntimo daqueles que na minha esfera gravitam.

Seguramente perguntarás por que o faço, e não deixas de ter uma certa razão, meu caro Hodgkin, mas a verdade é que sentimentos há que são únicos e irrepetíveis e tu foste capaz de me fazer ir além, de atingir um estado de alma que até hoje nunca tinha experimentado. E olha que sou um que se pode gabar de ter vivido uma vida assaz turbulenta de inúmeras experiências feita, como de resto já sabes, lendo-me nas entranhas.
Uma coisa tenho de reconhecer, sabes entrar em cena. Durante quase dois anos te insinuas-te, escondendo-te, tentando passar despercebido como o transeunte com que me cruzo quotidianamente na rua sem que lhe repare nas feições. De tempos a tempos ias lançando uma ténue pista disfarçada por alguns dias de febre, que logo eram justificadas com a deficiente manutenção dos ares condicionados no local de trabalho. E lá surgiu um magnânimo diagnóstico de tuberculose ganglionar que te deixo espaço e tempo livres para fruíres da tua clandestinidade. E assim se passaram quase dois anos. Suspense mantido com rigor de mestre, meu caro Hodgkin! O que é um facto é que quando me preparava para ir receber a tuberculose à porta da frente, me apareceste tu, meu caro Hodgkin. Só não te disse que entrasses porque tu és um tipo que não faz cerimónia e já tinhas entrado...

(continua)

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