Todos os dias, da janela da sala, ao entardecer,
quando os primeiros farrapos de noite se insinuam pela cidade,
quando os bandos de estorninhos transformam a longa palmeira em árvore canora,
da janela da sala me chega o buliçoso vozear dos excluídos.
Acorrem à distribuição de alimentos.
No sagrado de Arroios se atropelam, insultam, namoram, comem;
cada dia são mais. Alguns andrajosos,
outros loucos,
emigrantes do sonho etéreo de um Portugal de alcatrão e cimento,
gentes que pela farpela se vê que já conheceram melhores dias,
marginais,
e idosos, tantos e tantos idosos.
Uns chegam receosos, outros tímidos,
há-os bêbedos, drogados, institucionalizados, fugidos, resignados,
só há que escolher a cor, o modelo, o feitio, o consumo.
Só sei que o supermercado da miséria me desperta
um já não tão absurdo desejo de sofrer.
A fotografia é de Jorge Oliveira
"Roubada" ao meu caro amigo Gonçalo Oliveira
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