quinta-feira, 28 de julho de 2011

A arte de Jorge Oliveira


Todos os dias, da janela da sala, ao entardecer,

quando os primeiros farrapos de noite se insinuam pela cidade,

quando os bandos de estorninhos transformam a longa palmeira em árvore canora,

da janela da sala me chega o buliçoso vozear dos excluídos.

Acorrem à distribuição de alimentos.

No sagrado de Arroios se atropelam, insultam, namoram, comem;

cada dia são mais. Alguns andrajosos,

outros loucos,

emigrantes do sonho etéreo de um Portugal de alcatrão e cimento,

gentes que pela farpela se vê que já conheceram melhores dias,

marginais,

e idosos, tantos e tantos idosos.

Uns chegam receosos, outros tímidos,

há-os bêbedos, drogados, institucionalizados, fugidos, resignados,

só há que escolher a cor, o modelo, o feitio, o consumo.

Só sei que o supermercado da miséria me desperta

um já não tão absurdo desejo de sofrer.



A fotografia é de Jorge Oliveira
"Roubada" ao meu caro amigo Gonçalo Oliveira

Sem comentários:

Enviar um comentário